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Cem anos de imunoterapia em alergia

Antonio Carlos Gomes da Silva

Neste ano de 2011, completam-se 100 anos da publicaçao do tratamento de rinite alérgica por pólen de gramínea – Propbylatic Inoculation Against Hay Fever, no Lancet. O autor Leonard Noon (1877 – 1913), médico ingles formado em Cambridge, provavelmente alicerçou-se em conhecimentos advindos de experimentos realizados por inúmeros cientistas que o precederam, tanto realizados em animais de laboratório quanto em seres humanos. No tratamento das alergias, cujos agentes provocadores (alérgenos) nao possam ser evitados, os alérgenos sao usados como se fossem vacinas, no intuito de provocar o fenômeno da tolerância, que envolve a participaçao do sistema imune.
Esses fatos nos permitem um passeio pela história do conhecimento das doenças e de seus tratamentos, o que nos remete as vizinhanças da civilizaçao crista, pois o Rei Mithridates VI (132-63 a.C.), Rei de Pontus, regiao hoje pertencente a Turquia, foi o primeiro ser humano conhecido a desenvolver tolerância tomando doses de veneno de cobra regularmente para nao morrer envenenado, como fora seu pai. Porém, uma espada o matou após tentar envenenar-se, quando, derrotado por Pompeu, temeu ser capturado por Roma.
Girolamo Fracastoro (Hieronymus Fracastorius – 1458 – 1553), nascido em Verona, médico, matemático, geógrafo e poeta, na sua obra De Contagione (1546), sugeriu que as doenças propagavam-se através de um vetor químico, que chamou de esporo. Tres séculos mais tarde, Louis Pasteur (1822-1885), químico, demonstrou que as doenças eram transmitidas por germes, através de experimentos que culminaram com o importante, e até hoje imprescindível, método da pasteurizaçao. Esse brilhante cientista, cujo interesse pela microbiologia cresceu após a morte de dois filhos com febre tifóide, foi o descobridor da vacina contra raiva e a testou com sucesso, respaldado por um médico – pois, como químico, nao podia medicar -, em um jovem mordido por cao raivoso, por meio de injeçoes do vírus atenuado.
Mas, antes dele, outro grande cientista, Edward Jenner (1749-1823), ingles, havia observado que as mulheres responsáveis pela ordenha de vacas com lesoes nas tetas semelhantes as da temida varíola, desenvolviam uma forma benigna da doença. Com material oriundo dessas lesoes, ele imunizou um garoto de 8 anos em 1796. Esse processo, que Jenner denominou variolae vaccinae, foi consagrado por Pasteur, que, em homenagem a Jenner, o denominou vacinaçao.
Outro grande vulto da Medicina, Emil Von Behring (1854-1917), médico alemao, demonstrou que o soro de animal infectado pelo tétano imunizava outro animal. Nessa linha de raciocínio, descobriu a antitoxina diftérica em 1890, logo comercializada. Seus estudos lhe valeram o Premio Nobel de Fisiologia/Medicina de 1901.
De outra parte, vários pesquisadores desenvolviam experimentos básicos para o conhecimento dos fenômenos imunes. Desde Magendie (1783-1855) até Portier e Richet (1850-1935), cientistas tinham notado que injeçoes repetidas de ovoalbumina, soro heterólogo ou toxinas provocavam a morte de animais. Esses fatos levaram Richet, em 1902, a denominar esse fenômeno de Anafilaxia, do grego sem proteçao. Clemens Von Priquet (1874-1829), pediatra vienense, observou que pacientes, após receberem injeçoes repetidas de soro de cavalo ou da vacina antivariólica, tinham reaçao rápida e grave. Ele denominou esse fenômeno de Alergia, do grego outra energia.
Alexandre Besredka (1870-1940), russo, desenvolveu o conceito de tolerância ao injetar doses crescentes de antígenos em animais que antes desenvolviam fenômeno anafilático. Ele denominou esse fenômeno de Antianafilaxia (1907).
Noon, provavelmente conhecedor desses fatos, realizou com sucesso o primeiro tratamento da febre do feno por injeçao subcutânea, apoiando-se em diferentes diluiçoes e testes de provocaçao, para encontrar a dose inicial e a eficácia do tratamento. Esse método de tratar alergias, até hoje prevalecente, teve várias denominaçoes através dos anos, desde Inoculaçao Profilática –Noon (1911), passando por Imunizaçao Ativa (1914) e Hipossensibilizaçao (1922), ambas por Robert Cook (1867-1930), que as introduziu nos Estados Unidos, e Dessensibilizaçao, chegando, nos últimos anos, até Imunoterapia Específica (SIT) e, atualmente, Imunoterapia Alérgeno Específica (ASIT).
Os conhecimentos para elucidar os mecanismos envolvidos evoluíram, devendo-se destacar, dentre outros muito importantes, a descoberta da imunoglobulina E (IgE) por Kimishige “Kimi” Ishizaka (1925-) com 1968, responsável pelos fenômenos anafiláticos, além de numerosos e rigorosos experimentos que atestaram a eficiencia da ASIT.
De grande importância foram os trabalhos de Akdis, M e Akdis, CA que demonstram a participaçao de linfócitos reguladores (T reg), concluindo que a SIT representa o único e específico método de tratamento das alergias. Francis JN e colaboradores confirmaram a importância de uma linfocina no processo inflamatório alérgico desde o início do tratamento, ou seja, a partir de pequenas doses do alérgeno, a Interleucina 10 originária das T regs, já destacada por Akdis, M & Akdis, CA (2007).
Em uma revisao comemorativa dos 100 anos de imunoterapia em alergia (a ASIT), Akdis, CA e Akdis, M reforçam o papel das células T reg no complexo processo anti-inflamatório. Em resumo, poderíamos concluir que esse método de tratamento interfere no mecanismo da inflamaçao alérgica do qual participa o linfócito Th2, levando, como conseqüencia, a diminuiçao a longo prazo da produçao de IgE, além do incremento de IgG (IgG4) e IGA. As células T reg também inibem a participaçao dos mastócitos, eosinófilos e basófilos na inflamaçao alérgica, além de influenciarem no fenômeno de remodelamento, na participaçao das células dentríticas, que passam a liberar IL 10, e de reduzirem as açoes inflamatórias de outras linhagens de linfócitos, como Th1 e Th17.
Recentemente, Matricardi, PM e colaboradores concluíram ser a imunoterapia subcutânea (SCIT) tao eficaz quanto a farmacoterapia, atuando como se fora um fármaco, fato que nós, alergistas, já observávamos desde o primeiro retorno dos pacientes com indicaçao correta de tratamento por SCIT.
Assim, com a evoluçao dos conhecimentos científicos, comprova-se a importância desse método de tratamento das alergias, já constatado há anos nas clínicas de Alergia, devendo ser prescrito quando nao for possível a eliminaçao do alérgeno, precedendo a farmacoterapia.
Seguem os estudos na tentativa de aprimorar a ASIT, pelo uso de outras vias de administraçao, como a sublingual em adiantada fase de estudos, a epicutânea e até mesmo a via de administraçao em nódulos linfáticos subcutâneos. As pesquisas prosseguem também na busca de outros estimulantes imunológicos, como os alérgenos recombinantes e os fragmentos de peptídeos, aprimorando o método tanto no que diz respeito a via de administraçao menos desconfortável quanto aos efeitos mais duradouros, com decrescentes riscos a reaçoes adversas.

Antonio Carlos Gomes da Silva
Tesoureiro da Academia de Medicina de Sao Paulo
Suplemento da Revista da APM

 

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